Sempre é matéria de conflito entre o empregador e o empregado o tema relativo as comissões de produtos vendidos e cuja compra vem ser cancelada pelo comprador na forma autorizada pelo Código de Defesa do Consumidor.
O vendedor de uma loja vende, por exemplo, um eletrodoméstico que posteriormente vem ser devolvido pelo consumidor por desistir da compra na forma do Código do Consumidor. O Empregado faz jus a comissão? A venda foi efetivada? O risco do negócio é do empregador?
Vários questionamentos surgem a respeito da matéria.
Um vendedor que tinha as comissões descontadas de sua remuneração, relativas a vendas ultimadas e posteriormente canceladas ou devolvidas e ainda descontado o valor do frete destas vendas ingressou em Juízo sustentando ser indevido o desconto e pleiteando a devolução dos valores.
A empresa sustentou ser indevida a devolução pois resta caracterizado a não efetivação da venda nos termos do artigo 466 da CLT, pois não se trata culpa da empresa, mas sim uma opção do cliente, que não tem qualquer influencia, tanto do vendedor quanto da loja/empregadora.
O Juiz de primeira instância acolheu a defesa da empresa entendendo que:
“….. a não realização da venda ou seu posterior cancelamento (arts. 19, VI, 20, III e 49 do CDC, p.ex.) não impede o estorno dos valores computados em favor do trabalhador, pois no caso não se verifica a referida transferência do risco, mas mera não realização (ou posterior retirada do mundo jurídico) da hipótese de incidência da remuneração variável. Improcede a pretensão.”
O trabalhador recorreu da decisão para o Tribunal Regional de São Paulo, que entendeu a matéria de forma diferente.
A Desembargadora Relatora CÂNDIDA ALVES LEÃO disse que:
“A despeito de o autor ser vendedor comissionista puro, sua relação de emprego é regulada pela Lei 3.207/57 e também pela CLT.
Dispõe o artigo 2º da referida lei que o empregado vendedor terá direito à comissão avençada sobre as vendas que realizar.
Já o artigo 462 da CLT dispõe, em rol taxativo, que as possibilidades de realização de descontos na remuneração do trabalhador decorrem de dano por este causado e de previsão contratual, sempre preservando o trabalhador da possibilidade de transferência para este, pelo empregador, dos custos decorrentes da atividade empresária.
Também o artigo 7º da Lei 3.207/57 autoriza o estorno das comissões das vendas realizadas, quando verificada a insolvência do comprador.
Pois bem, ao invocar a disposição do Código de Defesa do Consumidor, que regula uma relação entre o consumidor e ele, fornecedor de serviços, o empregador deixa clara a transferência dos encargos desta relação para o trabalhador.
É importante destacar que o próprio artigo 18 da Lei 8.078/90, invocado pela reclamada em abono de sua tese, está inserido na seção ‘Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço’, tratando-se de inequívoca responsabilidade do empreendedor, cujos ônus não podem ser transferidos ao trabalhador.
Em nenhum momento o referido artigo 18, ou mesmo os artigos 19, 20 e 49 do CDC mencionados pelo Juízo a quo em sua fundamentação (fls. 140), trazem qualquer vinculação entre a responsabilidade do dono do empreendimento perante o consumidor e a responsabilidade do empregado do dono do empreendimento: é equivocada a interpretação de que o cancelamento da venda pelo consumidor, no legítimo exercício do poder que lhe faculta o CDC, configura a não ultimação da venda prevista no artigo 466 da CLT.
Ora, até que o consumidor manifeste seu arrependimento ou intenção de cancelar o negócio, houve o anterior trabalho do vendedor na apresentação do empreendimento que representa, o que impõe a remuneração correspondente, na forma do artigo 2º da lei 3.207/57.
O posterior cancelamento de negócio jurídico formalizado sob o rígido atendimento das determinações impostas pelo empregador não permite o consequente estorno das comissões, por não se tratar, a venda ultimada pelo empregado, de negócio jurídico nulo, mas cancelado posteriormente, configurando risco ínsito ao empreendimento.
Também com relação aos fretes oriundos das vendas posteriormente canceladas, há que se dar razão à pretensão autoral. Os documentos de fls. 47/52, que não foram especificamente impugnados pela empresa, permitem constatar que também os valores relativos aos fretes das devoluções foram estornados da remuneração do vendedor. Aliás, a argumentação de que houve o estorno das comissões mas não do frete sobre a venda é frágil, já que não foram trazidos aos autos documentos que permitam comprovar a dissociação mencionada em defesa e, no particular, o ônus incumbia à empresa, já que ela trouxe a ressalva da realização do desconto apenas parcial (da comissão, mas não do frete).
Dou provimento ao apelo do reclamante, no particular, para deferir-lhe o reembolso das comissões indevidamente estornadas de sua remuneração e oriundas das vendas canceladas pelos clientes, com base no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, incluindo o valor do frete da devolução, conforme o que estiver demonstrado nos documentos jungidos aos autos, com as respectivas integrações nos demais títulos do contrato (aviso prévio, férias + 1/3, 13ºs salários, DSR’s e feriados e FGTS com a multa de 40%).”
(PROCESSO TRT/SP Nº 0001457-58.2014.5.02.0402 – 10ª TURMA)
O entendimento do Tribunal foi no sentido de atribuir a devolução da mercadoria como risco da atividade empresarial que não pode ser transferido ao empregado.
Autor: Eraldo Aurélio Rodrigues Franzese – 06 de outubro de 2015